A construção de um caso clínico a partir da articulação entre a etnografia e a psicanálise
Taísa Serpa*
Ana Carolina Medeiros**
Resumo
O artigo visa expor um caso clínico atendido no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de Santos Dumont, Minas Gerais. Para tanto, e atentando à particularidade do caso, desenvolvemos um estudo etnográfico da família em que se insere o sujeito em questão. Posteriormente, levantaremos possibilidades de articulação entre os métodos de pesquisa da etnografia e da psicanálise. Por fim, analisaremos, à luz da teoria lacaniana da psicose, de que forma esse sujeito empreendeu um trabalho de criação que estabilizou sua psicose.
Palavras-chave: Etnografia; psicanálise; clínica da psicose; saúde mental.
Introdução
Na década de 1970, vimos eclodir no Brasil uma luta mais ampla pela redemocratização do país. Apoiadas no contexto de combate ao Estado autoritário, emergem críticas à ineficiência da assistência pública em saúde e ao caráter privatista da política de saúde do governo central (Tenório, 2002). Surgem assim denúncias de fraudes no financiamento dos serviços e, o que é mais importante para o progresso da reforma psiquiátrica, denúncias de maus tratos à pacientes que estavam internados em muitos hospitais psiquiátricos do país. As denúncias traziam exigências políticas, técnicas e administrativas bastante novas, mas buscavam um argumento originário: os “direitos” dos doentes mentais, sua “cidadania” (Delgado, 1992).
Nesse direcionamento, a questão da saúde mental tomou novos rumos, vimos crescer movimentos sociais, inicialmente de trabalhadores da saúde mental que buscavam a melhoria da assistência no Brasil e denunciavam a situação precária dos hospitais psiquiátricos (Brasil, 2004). Esses movimentos passaram a denunciar a violência nos manicômios, a mercantilização da loucura e a hegemonia de uma rede privada de hospitais psiquiátricos. Passam também a construir coletivamente uma crítica ao modelo hospitalocêntrico de assistência.
Surgem assim, em vários municípios, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Tais serviços se consolidaram como dispositivos eficazes no tratamento e acompanhamento dos portadores de sofrimento mental, diminuindo o número de internações e efetivando uma mudança no modelo assistencial. Esses dispositivos foram se transformando nos principais serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos no processo de reestruturação da saúde mental no Brasil (Alves, 2003).
França Neto (2009) assinala que o movimento que conhecemos no Brasil pelo nome de Reforma Psiquiátrica poderia ser dividido em dois momentos distintos. O primeiro, localizado na discussão política pela mudança nas formas de assistência ao portador de sofrimento mental e, posteriormente, já avançada a discussão política, na luta contra exclusão social. E um segundo momento, em que se encontraria atualmente o processo da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que seria a pós-inclusão do louco na polis: o que fazer após essa inclusão e como sustentá-la? O movimento da reforma não deve estar restrito meramente ao questionamento da exclusão social do louco. Até porque, se esgota-se aí, é preciso lembrar: o que sustenta a Reforma Psiquiátrica é o princípio de inclusão da loucura na sociedade, a derrubada dos muros dos manicômios pode até representar a queda de um espaço de exclusão, mas de maneira alguma questiona o mecanismo que a sustenta. Como afirma Maleval “não basta opor-se a um sistema de pensamento para romper com a alienação que ele engendra” (Maleval, 2007, p. 10).
Miller salienta em seu texto Saúde mental e ordem pública (1999), que a melhor definição de saúde mental seria a da ordem pública, e qualquer perturbação dessa ordem pode ser apontada como índice de perda da saúde mental. E é justamente partindo dessa premissa que o trabalhador da saúde mental, ainda segundo Miller (1999), tem como objetivo fazer “reintegrar o individuo à comunidade social” (p. 15). É o que a política de saúde mental preconiza, a reinserção social. Nesse ponto, a psicanálise tem contribuído com o campo da saúde mental ao salientar que não se trata de reinserção social na psicose, mas sim de possibilidades de criação, singular a cada sujeito, frente ao avassalador desencadeamento de uma psicose. Quando a reinserção social é colocada como um ideal de bem comum, ela comporta o risco de repetir o movimento de exclusão que a reforma tenta combater, ou o que Figueiredo (2004) denominou “terapêutica da restauração”, ou seja, fazer retornar ao estado anterior à doença. Viganó (1999) pontua: “criar outros espaços onde se faz barulho sem falar” (p. 57). Alkmin (2003) salienta a importância de se abrir o espaço da palavra para que o sujeito apareça, a possibilidade de emergir algo que talvez vá de encontro ao projeto político ou até mesmo que escape e balance os alicerces da ordem pública. Vemos que atualmente é com isso que os atores da reforma mais tem se deparado.
O caso descrito neste artigo é paradigmático nesse sentido. Trata-se de uma família atendida pelo CAPS municipal de Santos Dumont, pequena cidade de Minas Gerais. Mas não se trata apenas de “um caso do CAPS”, mas de uma história que já pertence ao imaginário popular da cidade. Apesar de ser a história de uma família, seu chefe é o personagem principal, um homem cercado por tantas lendas na cidade que mesmo nós, técnicos de saúde mental, não conseguimos discernir o que realmente faz parte da história de sua vida. Estão entre essas histórias uma acusação de estupro de vulnerável, não confirmada por investigações da justiça, maus tratos a um idoso e cárcere privado. Todas essas acusações envolvem pessoas da família de José1.
Na discussão que este artigo suscitará, propomos tratar-se de um sujeito psicótico que se por um lado escancara a fragilidade estrutural do laço social e da chamada ordem pública; por outro, inventa uma saída singular que dá contorno e estabiliza à sua psicose. Para tanto, decidimos nos aventurar em uma possível articulação dos métodos de pesquisa em psicanálise e na antropologia. O debate em torno dessa articulação de saberes é infindável, mas encontramos em Foucault (1966) um interessante argumento:
Não é porque o individuo faz parte de seu grupo, não é porque uma cultura se reflete e se exprime de uma maneira mais ou menos refratada no individuo, que essas duas formas de saber são vizinhas. Elas só tem, a bem dizer, um ponto em comum, mas que é essencial e inevitável: é aquele em que elas se cruzam perpendicularmente: porque a cadeia significante por meio da qual se constitui a experiência única do individuo é perpendicular ao sistema formal a partir do qual se constituem as significações de uma cultura (Foucault, 1966, p. 493).
De acordo com Merleau-Ponty (1960), a etnografia é uma modalidade de pesquisa social que foi desenvolvida pelos antropólogos. É a maneira de pensar que se impõe quando o objeto é “outro” e que exige nossa própria transformação. A etnografia é calcada em uma ciência, por excelência, do concreto. O ponto de partida desse método é a interação entre o pesquisador e seu objeto de estudo. O método etnográfico está colocado na linha de uma antropologia semiótica, ou seja, considerando que o conhecimento tem duplo aspecto e que o ponto de vista semiótico refere-se ao significante, e não ao sentido dos objetos como na epistemologia. O que interessa não são a interpretação e explicação dos fatos de forma isolada, mas a importância do conjunto, como ele está sendo vivido e transmitido, perpetuado pela adaptação de quem chega e se insere na trama dos significados, sejam eles julgados corretos, ridículos, inocentes ou cruéis. Quanto a isso, a definição de Levi-Strauss é interessante:
Para observar, é preciso estar de fora. Pode-se - e é uma opção - preferir (mas isso é possível?) fundir-se na comunidade com a qual partilhamos a existência, identificar-se com ela. O conhecimento está do lado de lá. Então o conhecimento só nasce do distanciamento entre sujeito e objeto? É um aspecto. Num segundo momento, nos empenharemos em juntá-los. Não existiria conhecimento possível se não distinguíssemos os dois momentos; mas a originalidade da pesquisa etnográfica consiste nesse incessante vaivém (p. 218).
Nesse ponto podemos encontrar a psicanálise, no sentido que a pesquisa e produção de teoria em psicanálise nascem pela via da clínica, onde o método de tratamento surge a partir do método de pesquisa das neuroses. Quando Freud convoca seus pacientes a associar livremente ao invés de investigar seus organismos, ele propõe uma mudança radical: deixa de considerá-los apenas como objetos de que se possa construir conhecimento, mas estabelece uma relação transferencial. Em Dois verbetes de enciclopédia (1923 [22]/1976), Freud vincula o método de investigação à terapêutica em si na produção da teoria psicanalítica. Essa característica do método da psicanálise coloca em evidência a constante construção de um saber não-todo, no dizer de Lacan. Segundo ele, a ética que orienta a psicanálise é a do bem-dizer do sujeito com relação ao seu desejo, dimensão radical que aponta para a singularidade do sujeito. O que a psicanálise escancara ao campo das verdades científicas é uma lógica do não-todo, que não tenta cobrir o real, tal como compreendido pela ciência, mas se interessa pelo saber que pode ser construído pelo sujeito dividido, sujeito do inconsciente. Pela via da associação livre proposta por Freud, a psicanálise pode se abster da discussão distanciamento/fusão entre sujeito/objeto, pois sabemos, haverá a transferência. Esta não é um fenômeno psicanalítico, apesar de ter sido conceituada por Freud, mas é um fenômeno humano propiciado pela relação entre falantes, pela linguagem. Também aqui podemos situar um ponto de encontro entre o que propõe o método de pesquisa da antropologia e o da psicanálise.
O trabalho de Barbieri e Sarti, Psicanálise e antropologia: afinidades de método (2012), salienta, citando Malinowski, que no método etnográfico o pesquisador precisa estar in loco, na situação pesquisada, em contato com a situação a ser estudada. Tal procedimento aponta para uma perspectiva relativista e “afirma a importância de se olhar o outro como alteridade e não como espelho de si mesmo. Trata-se de apreender o ponto de vista do outro dentro do contexto do qual faz parte” (p. 2). Há nesse encontro aquilo que o possibilita: a identificação com outro diferente, mas que é também semelhante, sendo essa uma das dificuldades do método etnográfico.
A observação, neste sentido, pressupõe um duplo movimento: o de transformar em estranho aquilo que nos é familiar, ou seja, nossos procedimentos habituais, nossos costumes e valores; e o de transformar em familiar, em algo inteligível e aceitável para nossos códigos culturais, aquilo que parecia estranho à primeira vista (p. 3).
Na teoria freudiana, temos algo de uma aproximação com essa ideia do estranho-familiar. Freud, em seu Projeto para uma psicologia científica, assinala que o sujeito está marcado pela relação com o outro. Na visada freudiana, o registro da alteridade se institui simultaneamente ao da formação subjetiva. Essa alteridade não se restringe ao outro semelhante, mas acentua algo mais radical que Freud chamou “complexo do próximo”.
No reconhecimento do próximo, seja como objeto, seja como força auxiliar, há algo que resiste como uma Coisa, que escapa ao juízo, e que aparece como estranho ou mesmo hostil. Este reconhecimento jamais é total, e isso decorre do fato de que o objeto da satisfação é perdido, e que todo encontro desse objeto é na realidade um reencontro de caráter precário. Daí a ambivalência que caracteriza a relação do sujeito com seu próximo, uma vez que nele estão articulados, ao mesmo tempo, a identidade e a separação (Rinaldi, 1996, p. 48).
Freud vai concluir então que o homem está fadado a essa forma de intersubjetividade, que implica ao mesmo tempo aproximação e afastamento. Resulta daí, segundo Freud (1950/1980), a origem da moralidade, do desamparo humano e da necessidade do outro para levar a tento a experiência de satisfação, mas esta será sempre de caráter reduzido. Novamente segundo Rinaldi (1996), o laço social também tem aí sua origem. As relações sociais articulam-se, nesse sentido, à constituição subjetiva, o que redimensiona a oposição sujeito x sociedade e relativiza a oposição que poderia se pensar entre a psicanálise e a antropologia.
O trabalho de Barbieri e Sarti (2012) salienta que pensar a relação observador – observado, no método etnográfico, é reconhecer a realidade mediada pela linguagem. E aqui a transferência aparece não só como processo natural, intrinsecamente humano, mas também como ferramenta do trabalho clínico e de pesquisa, recorrendo a conceituação que Freud faz acerca da transferência - conceito que Lacan designa em seu Seminário 11 como um dos fundamentais da psicanálise. Calazans et al (2008) salientam a necessidade de não descuidarmos desses conceitos fundamentais (inconsciente, repetição, transferência e pulsão) em uma pesquisa psicanalítica, pois “será em função das vias que eles traçarão no real que poderemos pensar, tanto a ordem de problemas de pesquisa e extensão pertinentes à psicanálise, quanto a direção do tratamento que se espera de um psicanalista” (p. 135).
Lacan salientou a importância dessa questão em seu texto A direção do tratamento e os princípios de seu poder (1958/1998). Neste encontramos a formulação feita por Lacan da política do psicanalista. Através desta se articulam a tática e a estratégia. À tática, Lacan remete a interpretação; e a transferência se remete à estratégia. Essa noção de estratégia é extremamente importante ao pensarmos o tratamento, uma vez que a estrutura subjetiva do sujeito designará a posição em que o analista deve se colocar. Na neurose, o sujeito se coloca numa posição de não-saber, situando o analista como detentor desse saber que tamponará sua falta, ou seja, um lugar de saber suposto. Na psicose, não há essa demanda endereçada ao outro, e o analista torna-se testemunha da verdade daquele sujeito, não devendo de forma alguma acentuar um suposto saber sobre o sujeito. Não se trata de um sujeito dividido, que se endereça ao analista como sujeito que supostamente sabe sobre seu sintoma. A psicose se endereça ao analista como sujeito para que este testemunhe sobre sua experiência na linguagem e sobre a maneira como consegue se posicionar nesse lugar. A partir desse testemunho, a transferência se colocará de maneira específica. O psicótico poderá se posicionar como objeto nessa relação de amor diante do Outro absoluto, como Lacan (1955 [56]/1988) pontuou em seu Seminário sobre as psicoses, o psicótico se insere numa relação amorosa abolindo-se como sujeito, porque essa relação acentua a heterogeneidade radical do Outro. Cabe ao analista o manejo desse lugar na transferência. Este corre o risco de colocar-se numa posição de gozo que venha a instaurar uma erotomania mortífera e um delírio persecutório. Segundo Maciel (2008):
É preciso sempre considerar a posição em que se é colocado na transferência, ou seja, em uma relação especular que não conta com uma barra simbólica. Diante da ausência desse espaço, a tendência para o psicótico é fazer UM, é se misturar a este Outro. Dessa forma, uma resposta dada pelo analista pode ser interpretada no campo de um gozo invasivo. Posicionar-se como testemunha significa disponibilizar ao psicótico um espaço para onde ele poderá direcionar essa interpretação dos fenômenos que lhe concernem (p. 35).
O levantamento dessas questões é de suma importância para o caso que apresentaremos. O estudo etnográfico nos foi caro pelo valor metodológico de poder apresentar a história de uma família, e ainda assim extrair dessa história o valor da construção delirante que possibilitou a estabilização de um sujeito psicótico.
O estudo etnográfico foi realizado pela enfermeira do CAPS onde a família vem sido atendida, e as questões clínicas foram discutidas em equipe, de onde formulamos as questões que permeiam este artigo. Vale ressaltar também os atendimentos que um psicólogo da equipe prestou a José, os quais também foram levados às reuniões de equipe. O relato das observações feitas durante este estudo etnográfico faz com que não se trate de um relato de caso, e por isso seja mais extenso. Porém, decidimos fazer dessa forma, pois essa descrição nos ajudará a compreender posteriormente o valor da construção do sujeito psicótico em questão.
Estudo etnográfico: observações
Quando fui trabalhar no CAPS, em setembro de 2010, conheci J. A., paciente tranquilo que frequentava o serviço diariamente. Era trazido e buscado pelo pai no final da tarde. Para mim, era como os outros pacientes, não causava em mim nenhum espanto, eu pouco sabia de sua história. Tinha dificuldades para falar, não sabia ler, apenas sabia escrever seu nome. Na oficina de produção livre, ele gostava de desenhar e sempre assinava seu nome em todos os desenhos. Começou a aprender a jogar dominó e tinha um bom relacionamento com os outros pacientes. Percebia nele um déficit intelectivo. Estava sempre sujo, unhas grandes, não sabia fazer uso das palavras e repetia o que os outros falavam. Naquela ocasião estava fazendo uso de um neuroléptico atípico (medicamento antipsicótico que surgiu há pouco tempo e que causa menos efeitos colaterais do que os outros usados em maior escala). Ele tomava medicação no serviço pela manhã e levava para tomar em casa a noite.
A equipe do CAPS já conhecia a família de J. A. há muitos anos e contava que todos tinham transtornos mentais e que a condição de moradia era muito precária. Falava da casa, da dificuldade para se chegar lá e também dos empecilhos que o pai de J. A., José, colocava para o tratamento do restante dos familiares. Tal história era contada também por familiares de pacientes que frequentavam o CAPS, a família era “conhecida” na cidade. Naquela época, após uma denúncia, foi aberto um processo contra José, acusado de maus tratos contra o irmão dele, que também morava com a família. José era curador do irmão, que sofria de esquizofrenia e já havia ido ao CAPS em anos anteriores. Segundo a denúncia, ele mantinha o irmão e o restante da família em cárcere privado e usufruía dos três benefícios que a família possuía (o dele, o da esposa e o do irmão).
Esse irmão foi retirado da casa de José e movido para o asilo da cidade em segredo. Mas José ia frequentemente visitar e incitar o irmão, que ficava, então, violento. Persecutório com a equipe do CAPS, José atribuía a culpa da retirada da curatela do irmão de seu poder a um funcionário do CAPS (que já conhecia a família) e passou então a não levar J. A. com a mesma frequência. Nós então começamos a perceber uma mudança de comportamento de J. A. e desconfiamos que sua medicação não estivesse sendo ministrada em casa corretamente. Profissionais do CAPS realizaram uma visita domiciliar, quando tal desconfiança foi confirmada.
Na ocasião, realizamos uma reunião no Fórum Municipal, na presença da promotora responsável pelo caso em questão e de outros atores da rede de assistência da cidade, pois sabíamos que o caso era de difícil resolução. Estavam presentes representantes da Secretaria de Assistência Social e profissionais do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), que são unidades de serviços de proteção social especial (média complexidade) para atendimento de famílias e indivíduos em situação de risco pessoal e social. Essa promotora acompanha o caso da família há muitos anos e nos relatou que outrora o pai já havia sido denunciado por abusos sexuais contra a filha (além de J. A., havia um filho mais velho e uma menina mais nova). Ela relatou que tal denúncia não se confirmou, pois apesar da menina já possuir hímen roto (o que comprovava que ela já havia se relacionado sexualmente), como foi concluído por exame, a mesma não denunciava o pai. Tal caso foi arquivado por falta de provas e, na ocasião, até a emissora de TV local realizou uma reportagem, enfatizando ainda mais o caso.
Na primeira reunião, decidimos que seriam realizadas visitas à família a fim de entender e conhecer melhor sua estrutura, pois para a assistência social e também para a justiça, os mesmos deveriam ser retirados do local onde moravam de qualquer maneira, já que tal local não oferecia condições adequadas. Porém, a partir de um pedido nosso (profissionais do CAPS), decidiu-se por conhecer melhor aquela realidade e estreitar laços com José e todo núcleo familiar, preparando-os para tal mudança. Muitas questões estavam em pauta. Sabíamos tratar-se de um sujeito psicótico, cuja estabilidade poderia estar ligada ao seu “modo de viver”. Porém, não era claro para nós o que aquela realidade poderia representar para o restante da família. Boa parte da equipe do CAPS apresentava uma enorme resistência em escutar e acolher José, o que também era um entrave.
Levando em consideração que J. A. não estava fazendo uso da medicação, foi prescrito haloperidoldecanoato (antipsicótico típico, ou de primeira geração, injetável e de depósito, ou seja, uma medicação que dura em torno de 30 dias no organismo). Ele apresentou um quadro de sedação e o pai vinha ao serviço dizendo “é a injeção do CAPS”. J. A. dizia a mesma coisa. Decidimos por pedir internação no hospital geral da cidade, pois desconfiamos que o pai estivesse administrando outras medicações. O pai ficava de acompanhante. A desconfiança se confirmou, pois a equipe de enfermagem do hospital presenciou tal situação. O médico clínico que acompanhava o caso no hospital levantava a possibilidade de J. A. estar sofrendo abuso sexual. Nós reportamos tais informações à promotora, que chamou o pai para uma conversa - que eu presenciei - e discutimos tais acusações. Ele negou. Foi então pedido o afastamento do pai do hospital. A promotora solicitou que ele levasse os outros filhos para tratamento. Na conversa, José estreitou um laço comigo, pois o acompanhei, dizendo sempre querer ajuda-lo. Na ocasião ainda não tínhamos realizados as primeiras visitas, eu acompanhava o caso no hospital, já que J. A. estava internado. O pai insistiu em acompanhar o filho no hospital, mesmo depois da nossa conversa com a promotora. Chamamos a polícia, e José foi retirado do hospital. Nesse episódio, percebi que havia conquistado sua confiança, pois José sempre se referia a mim como alguém que o entendia.
J. A. ficou internado por alguns dias, sem acompanhante, e nós do CAPS o buscávamos para passar o dia no serviço. Já não apresentava quadro de sedação, mas para nossa surpresa solicitava regularmente a presença do pai. Chorava como uma criança, pedindo para ver o pai. Realizamos a primeira visita, para buscar a mãe e trazê-la para ver J. A. (contamos o ocorrido mais adiante). Nós solicitamos ao médico que o acompanhava que nos avisasse quando seria a alta, para encaminharmos J. A. para um local seguro. Assim foi feito, ele foi levado para um abrigo da cidade. De onde dois dias depois fugiu, voltando para casa.
As visitas domiciliares começaram a ser realizadas. Estavam presentes, a psicóloga e a advogada do CREAS, o motorista, o funcionário do CAPS, que já conhecia a família e sua esposa (que também já conhecia a família e havia feito durante alguns anos trabalhos voluntários para ajudá-los). Para chegar até a casa, tínhamos que passar em uma “ribanceira”. No local, de difícil acesso, só se passava em fila indiana. Após 15 minutos caminhando, atravessamos uma cerca de arame farpado e avistamos umas casinhas, construções pequenas de barro e madeira, cobertas por algumas telhas de amianto e folhagens, bastante abafadas e escuras. Não havia luz elétrica e nem saneamento básico. Fomos recebidos por M. A., esposa de José. Eles têm três filhos, P. tem 25 anos; J. A., 23 anos e M. tem 18 anos. Na primeira visita só encontramos M. e M. A., pois P. correu para o meio do mato com a nossa chegada. Segundo a mãe, isso é bastante comum.
Todos os integrantes da família falavam de modo bastante parecido, a entonação da voz e suas colocações eram praticamente idênticas. Mostraram-nos o local de tomar banho, onde cada dormia, o que era usado como banheiro e o utilizado para fazer os alimentos. Segundo M. A. só o que tinha para fazer era fubá, arroz e feijão “velhos”. A filha contou que não comia a comida da mãe e que todos os dias ia à cidade com o pai para comprar sua “quentinha”. Só ela tinha esse privilégio. A água usada para tomar banho e toda a água disponível vinha de uma bica improvisada de uma captação de água provinda de terras que tem acima do local onde eles moravam. Essa água estava bastante suja e com odor fétido. A “cozinha” é uma dessas casinhas, só de ripas de madeira, com um fogão à lenha bastante improvisado. Naquele dia havia no fogo uma lata de feijão. Do lado desse local, havia uma casa maior, dividida em dois “cômodos”. Em um, havia uma cama de casal e no outro, uma cama de solteiro, na frente desses dois cômodos, um “sofá”. M. contou que dormia em um cômodo, o pai sozinho no outro (cama de casal) e J. A. no sofá. Ela contou também que em muitas noites, J. A. pede para dormir com o pai. Ela disse que seu quarto fica trancado com uma corrente e cadeado. Quando questionamos o porquê dessa proteção, ela diz que é porque J. A. gosta de ficar olhando ela se trocar.
A mãe contou que dormia em outra casinha, nos mostrou, em cima de uma mesa, com um colchonete velho. Nessa casinha não havia divisórias e no meio havia um suporte de madeira com um cachorro preso, na escuridão. Não havia janelas. Ela contou que dormia lá, pois o marido não a queria mais. Chorou. Disse que eles não namoravam. A filha ri. Questionamos quando M. namorou pela primeira vez, com quem foi, tentando entender se realmente ela sofreu ou sofria ainda com abusos do pai. Ela desconversou, não falou nada sobre o assunto, disse que namorava o menino da viação de ônibus, e isso se repete.
A psicóloga disse da intenção de tentar tirá-los dali, realizar uma mudança para uma casa mais central. As duas ficam alegres com a notícia, disseram querer, para ficar longe do “doido” (o pai). Naquele dia, levamos a mãe para visitar J. A. no hospital e compramos também um bolo para que ela pudesse levar para P., pois era seu aniversário. Nós não conseguimos vê-lo.
No hospital, ela chorou ao ver J. A. e disse querer que ele voltasse para casa. M. A. aparentava grande carinho pelos filhos, principalmente com P. Parece que a maior preocupação com P. decorria do fato de ele ser o filho mais “abandonado” pelo pai. Ele não sai de casa com o pai como os outros.
Dias depois José chegou ao CAPS bastante agitado, falava das questões da justiça, da promotora e do fato do remédio do CAPS ter deixado o filho babando. Não sabemos como, mas um dia ele chegou ao serviço com uma folha, em que estavam impressos todos os efeitos colaterais do haloperidoldecanoato.
Em nossa segunda visita, M. veio ao nosso encontro e de maneira bastante confusa disse que “o velho estava deitado na cama, batendo no menino” e depois “o menino deitou o velho na cama de tanto bater”. Não conseguimos entender quem batia em quem ou se realmente havia agressão. Logo José veio em nossa direção também. Percebemos que quando ele falava a esposa não se pronunciava. Naquele dia, ele nos mostrou suas “condições” de vida. Bastante vitimizado, queixou-se de suas dificuldades para criar os filhos, queixou-se das terras, que a água estava descendo suja por conta de criações de gado que outras pessoas estavam fazendo. Queixou-se que lhe tiraram o irmão, que agora ele nem podia vê-lo. Contou das dificuldades em lidar com J. A., dizendo que o mesmo estava agressivo. Contou também da dificuldade em lidar com a filha, que ela tem saído sozinha, que ele não consegue vigia-la.
Questionado sobre o porquê de não levar o restante da família ao CAPS, José relatou não conseguir, pois P. não aceitava sair e a esposa também não. Ela o desmentiu, disse que gostaria de ir ao CAPS. Ele falou que ela “tem problema”, e que não vai. Não conseguimos questionar mais nada, ele logo começou a falar rapidamente e muito, de forma prolixa. Questionado sobre como conheceu a esposa, José contou que quando era jovem ficou “desiludido de amor”, pois havia sido deixado por uma pessoa que gostava. Na época também sofreu uma fratura na clavícula devido a uma queda no trabalho. Esses acontecimentos coincidiram com o que entendemos como seu primeiro surto, pois foi internado em uma clínica psiquiátrica em Juiz de Fora, Minas Gerais. Quando retornou para a cidade, já conhecia M. A. e seus familiares, e resolveu pedi-la em casamento. Relatou ter mantido o tratamento em Juiz de Fora e depois com um médico de Santos Dumont.
Continuou relatando que após o primeiro filho, percebeu que a esposa não conseguia cuidar de maneira adequada da criança. Relatou que tentou deixá-la, mas diante de sua fragilidade (segundo ele, M. A. chorava e sentia-se mal) não se separou. Na época ele solicitou o benefício financeiro de M. A.
Em outra visita, encontramos P. sozinho em casa, escondido atrás de uma das casinhas. Ele veio até nós, sem grandes problemas. Respondeu às perguntas, contou que seu pai não o deixa sair, além de chamá-lo de doido. Disse das dificuldades que encontravam por morar ali. Tudo isso dito de uma forma bastante precária, às vezes de difícil entendimento. P. falava de uma maneira mais confusa ainda do que os outros irmãos. Convidamos P. para ir conosco para o CAPS, para se alimentar e passar pelo médico, mas ele não aceitou.
Entre as visitas, realizamos mais duas reuniões com a promotoria e a assistência social. Reuniões essas no Fórum, agendadas pela promotora. Sempre com intuito de discutirmos medidas viáveis e para que a promotora tomasse ciência da situação real da família.
Naquele período, a promotora decidiu processar José por maus tratos e cárcere privado. Nós não ficamos sabendo dessa decisão antecipadamente. Por conta disso, José chegou ao CAPS um dia muito agitado, dizendo que não permitiu que fossemos a casa dele pra fazer “isso”. Não compreendemos de início, ele então mostrou o processo que recebeu e ficou surpreso de ver arrolado como testemunha o nome do coordenador do CAPS, com quem José era muito transferido. Demoramos a acalmá-lo e dissemos-lhe que não tínhamos conhecimento do processo, mas que estaríamos ao seu lado. Ele gritava que o coordenador é que seria o responsável por suas despesas com o processo e que outro nome citado nas testemunhas era o dono das terras onde eles moravam, e que esse homem iria pagar por tudo. De modo ameaçador, gritava que poderia matá-lo e também ao coordenador do CAPS.
Pensamos que perderíamos toda confiança de José em nós, mas isso não aconteceu. Ele ainda fez pedidos, coisas mais absurdas possíveis, como por exemplo, solicitar à médica que mudasse seus remédios, já que ele, tendo me pedido pra consultar, e eu o atendendo, ele não aceitou a medicação prescrita (haloperidol decanoato) e também não aceitou via oral. José aceitou apenas diazepam e outros remédios que ele dizia serem indicados para ele, pois um médico em Juiz de Fora já havia lhe prescrito quando ele esteve internado (há pelo menos vinte anos atrás).
Os profissionais do CREAS começaram a procurar por uma casa para que a família mudasse. Como ficou definido em uma das reuniões que realizamos, essa casa seria mais próxima o possível do CAPS, para que assim o tratamento fosse facilitado e extensivo para todos os componentes do grupo familiar. Durante dois meses não conseguimos encontrar a casa, pois José relatava que a esposa não saberia cozinhar em fogão convencional. José continuou indo ao CAPS, de forma irregular. Apenas ele e J. A., somente o filho tomando medicação. José não aceitou as prescritas pela psiquiatra e conseguiu uma receita dos remédios que havia me pedido e me confessou que tem feito uso de diazepam e imipramina.
Consideramos esse caso, apesar das nossas observação e tentativas de entendê-lo, ainda enigmático. Não conseguimos pensá-lo sem questionar a situação na qual a família se encontra. Foi muito difícil não pensar no pai como um vilão. Muitas pessoas da cidade e até alguns técnicos da equipe e funcionários do CAPS pensam dessa forma. Portanto, o primeiro passo foi tentar colocar em suspenso todas as coisas consideradas desumanas e erradas, pensando legalmente e moralmente. Buscamos certo distanciamento crítico e o abandono do reducionismo biomédico, o que em minha área de formação seria esperado. Esse passo foi bastante doloroso, já que se tratava de algo apreendido durante toda minha vida.
Quando encontrei certas respostas no método etnográfico, percebi que minhas percepções e crenças fariam parte deste trabalho, estariam enraizadas nele. Percepção essa também difícil de aceitar e entender, como fazer um trabalho onde posso deixar transparecer algo de mim, do que sou? Por vezes cheguei a pensar em desistir, pois olhava para José como uma pessoa de caráter duvidoso, mas logo me lembrava de sua patologia e de sua história. Difícil foi também convencer alguns colegas que ele não era apenas vilão, que muito havia por trás de suas atitudes.
Dado esse primeiro passo, a família se desabrochou para mim. Vi e vivi a criação de um laço de confiança, e ao mesmo tempo de interesse com José. A narrativa desse caso me permitiu observar experiências sociais, existenciais, culturais, psicológicas e biomédicas. A narrativa e o que acompanhei dessa família superaram a minha expectativa.
Seria interessante discutir alguns pontos. A Reforma Psiquiátrica e a posterior normatização dos CAPS permitiram que famílias assim se constituíssem. Podemos questionar esse fato, e também o papel do CAPS. Se todo esse processo não tivesse ocorrido, provavelmente essa família estaria separada e “protegida” pelos muros de um hospital psiquiátrico. E aqui nos cabe levantar que o CAPS permitiu que isso não ocorresse. O dispositivo deve então ser corresponsável por essa família, unido a outros atores da rede de assistência do município, buscando integrar o cuidado para que esses indivíduos sejam beneficiados. O CAPS, cumprindo seu papel na articulação dessa rede de cuidados, para promover a cidadania e a inclusão social desses sujeitos, já há tanto tempo desfavorecidos. Muito do que essa família nos apresenta, e muito do que teremos que preservar para conseguir trabalhá-la, não necessariamente se trata do que é esperado que profissionais de saúde ofereçam. Essa narrativa pode causar espanto e por muitas vezes escutei de outros profissionais que este pai deveria estar preso, que essa família deveria ser desfeita em prol de todos os componentes. Isso pode ser verdade e necessário. Porém, antes, devemos nos questionar sobre o que essa constituição familiar representa para cada membro.
O pai foi quem deu início a toda essa estruturação e sem dúvida, para ele, isso foi imprescindível para sanar seu sofrimento psicótico. Acreditamos que nessa estruturação familiar está todo o núcleo delirante de sua psicose, e que a partir dela, há certa estabilização de seu quadro. Mas pergunto-me: em detrimento dos outros? Como trabalhar cada indivíduo, tentando escutar suas angústias sem desestruturar algo que foi criado há anos? E mais, os filho de José nunca viveram de modo diferente, nunca tiveram uma família nos moldes que a sociedade considera normal, como inseri-los assim, bruscamente? Como trabalhar a inserção social, pois seria a primeira, com adultos e também portadores de transtornos mentais diversos?
Os questionamentos não cessam, assim como nosso trabalho com essa família. No momento, ainda estamos buscando o tratamento dos outros membros familiares, pois o pai ainda os impede de frequentar o CAPS. Ele tem levado J. A. à médicos em Juiz de Fora, na rede de saúde da microrregião, buscando laudos para aposentá-lo. Há pouco tempo ele conseguiu interditar J. A. também com o mesmo intuito. Por vezes, José chega ao serviço delirante, mostrando documentos de anos atrás, onde mostra seu “direito” de estar aposentado, e bastante persecutório com o coordenador do CAPS.
Discussões em equipe
A história dessa família, mais especificamente de José, nos chama atenção principalmente no tocante à questão diagnóstica. Por se tratar de um homem que na cidade era visto como mau caráter, perverso e psicopata. Alguém que subjulgava sua família a condições desumanas, não se sabendo com que intento. O que se sabia era se tratar de alguém que faria qualquer coisa para conseguir mais um “benefício do governo”. Passaram-se alguns anos até que a equipe do CAPS começasse a escutá-lo realmente. Também nós muitas vezes o colocávamos num lugar de rechaço, nos protegendo de ter que lidar com o caráter de perversão que a história carregava. Poderíamos situar uma mudança da equipe com relação aos membros dessa família a partir do início do tratamento de J. A. no CAPS. José o leva nos solicitando “benefício” para o filho, alegando que já era adulto e não tinha condições de trabalho. A equipe da instituição, ao observar a necessidade de tratamento específico para o jovem, fez um contrato de tratamento para J. A., o qual seu pai ficaria responsável por cumprir. Assim, José passou a frequentar o CAPS, levando o filho ao tratamento. Ao longo do tempo, José passou a relatar fatos da história de sua vida a um psicólogo do serviço, e o caso passou a ser construído em reuniões de equipe.
Soubemos de um fato que se tornou divisor de águas na história de José. Ele contou que tinha vinte e poucos anos quando se acidentou no trabalho. Foi levado ao pronto socorro de uma cidade vizinha para atendimento de urgência. Dias depois foi encaminhado ao Serviço de Urgência de Psiquiatria, na mesma instituição, e de lá, encaminhado a um hospital psiquiátrico. O médico psiquiatra que o atendeu o aposentou por invalidez. Essa era comum naquela época. O indivíduo que trabalhava com vínculo CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e era internado em hospital psiquiátrico, aposentava-se por invalidez. Mas para José, esse fato ganhou um sentido particular, de onde ele depreende a equação de sua vida: doença mental = benefício. Ele recebeu alta hospitalar em uso de benzodiazepínico e neuroléptico. Segundo ele, ao sair do hospital, foi a Barbacena, cidade onde morava uma jovem que ele conhecera em sua cidade. Sabia que essa jovem tinha “problema de nervo”. Casou-se com ela e conseguiu mais um “benefício”. Posteriormente, José passou a residir na casa em que moravam seu pai moribundo e seu irmão “doente da cabeça”. Pouco tempo depois, seu pai faleceu, José interditou seu irmão na justiça e passou a receber mais um “benefício”. José passou então a empreender uma intensa e querelante busca por benefícios, transitando regularmente pelo Fórum Municipal e outras instâncias legais em busca de “aposentar” seu filho J. A. Eventualmente, falava conosco sobre seu “direito” ao benefício que recebe, e também dos outros membros da família. Sempre mencionando o tal médico psiquiatra que lhe aposentou quando era jovem.
Discussão teórica
Lacan, em sua tese de 1932/1987, intitulada Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade, tece uma minuciosa pesquisa do conceito de paranoia e da questão diagnóstica apresentada pela psiquiatria até então. Acentuando o fato de a palavra “paranoia” ser até então a mais usada para diagnóstico sem que houvesse um estudo apurado. Tratava-se da patologia mais vasta e pior definida pelas escolas francesa, alemã e italiana de psiquiatria. “Era também a noção mais inadequada à clínica” (Lacan, 1932/1987, p. 10). O jovem psiquiatra, em seu estudo, critica as duas principais correntes: a da concepção da paranoia como desenvolvimento de uma personalidade e a determinada por um processo orgânico. A primeira considerava a paranoia como um distúrbio de caráter de evolução insidiosa. A segunda, a atribuía uma noção de déficit que afetava o intelecto, pensamento e afeto.
Antes disso, tece uma contundente crítica à noção de personalidade empreendida até então pela psicologia. Tal crítica se fez necessária porque a psiquiatria da época atribuía quase todos os casos de paranoia a um “distúrbio evolutivo da personalidade”, haja visto o dado clínico de evolução sem evidências de demência, e ainda a dificuldade teórica em explicar algumas particularidades da paranoia, pois não se restringiam a alterações somente do intelecto ou do afeto. Mas Lacan observava que atribuir à paranoia a definição de distúrbio de personalidade também gerava inúmeras confusões, visto que o termo personalidade se prestava a designar diversas interpretações distorcidas, inclusive do senso comum, como ainda ocorre.
Neste trabalho não vamos nos prolongar na minuciosa exposição que Lacan fez em sua tese sobre as teorias propostas pelos psiquiatras de sua época e anteriores. Vamos nos ater ao que ele propôs como sendo a sua observação clínica acerca da paranoia. Veremos como ele propôs uma nova concepção acerca da psicose, desalojando-a da compreensão de déficit que a concepção orgânica alegava e propondo uma ideia diversa da de distúrbio de caráter que a concepção psicológica da personalidade preconizava. Dessa forma, Lacan também colocou em voga a questão do diagnóstico diferencial entre a paranoia e a perversão, o que nos interessa particularmente na exposição do caso apresentado neste artigo. Em O seminário, livro 3, Lacan salienta que antes de sua tese, o sujeito paranoico era visto como uma pessoa má, intolerante e que superestimava-se a si mesmo. Alguém a quem se designava uma estrutura perversa de caráter. Lacan cita a obra de Génil-Perrin Constituição paranoica, em que se via qualificar o paranoico como um sujeito de “caráter intratável”. Eis a confusão entre paranoia e perversão que Lacan denunciou. Perspectiva que Lacan designa como psicologizante, ou mesmo, psicogenética, haja visto a referência a uma base orgânica do temperamento.
Lacan (1955 [56]/1985) destaca, no entanto, a noção de “interpretação delirante” como contendo um “caráter de eletividade muito especial” que se apresenta como uma “experiência supreendente”, como uma iluminação específica: “o delírio de interpretação, como escrevemos em outro lugar, é um delírio do patamar, da rua, do foro” (p. 210). Aliado ao delírio de interpretação, ele destaca a psicastenia na etiologia da paranoia, como sendo “verdadeiro caráter dos fenômenos elementares do delírio” (p. 215). Lacan (1955 [56]/1985) retoma o termo psicastenia que havia sido cunhado e descrito pelo psiquiatra francês Pierre Janet em 1903 como uma patologia do grupo das neuroses, junto à histeria e a neurastenia, e que apresentava como sintomas: ideias fixas, obsessões e impulsos, manias mentais. Mas pudemos ver que com Lacan, essa definição passa a designar um dos fenômenos elementares do delírio de interpretação, tal como ele descreveu em sua tese com o “caso Aimme”.
Não poderíamos deixar de citar essa obra de Lacan, pois em nosso entendimento, as questões levantadas por ele são de suma importância na lógica do caso exposto. Em José, observamos a lógica da psicastenia em um delírio de interpretação que toma as ruas da cidade e principalmente o Fórum através de suas reivindicações. A equação doença mental = benefício aparece como uma ideia fixa que leva José a buscar todo e qualquer meio de conseguir mais um benefício. Porém, não conseguimos em nenhum momento observar isso como uma ganância exclusivamente ligada ao dinheiro ou qualquer ambição de construir algo que para a maioria faria sentido. José e sua família vivem em péssimas condições, em um lugar afastado e sem qualquer estrutura que muitos considerariam essenciais à vida. Além disso, também foi importante ressaltar a questão do diagnóstico diferencial entre a paranoia e a perversão levantado por Lacan. No caso descrito por nós, não só a cidade enxergava José como indivíduo inescrupuloso e ruim. Também nós do CAPS custamos a conseguir escutá-lo. Somente após discussões em equipe, conseguimos escutar um sujeito psicótico em sua construção singular.
Partindo da tese de 1932, Lacan empreende um ensino abrangente sobre a psicose em diversos seminários proferidos ao longo de anos. As noções de foraclusão do Nome-do-Pai, significação fálica, metáfora delirante, e os esquemas L, R e I são algumas das formulações de Lacan no tocante à clínica da psicose. Sem a possibilidade de tratar tal desenvolvimento de forma minuciosa, passaremos ainda em algumas questões, no intuito de compreender de que forma José empreende uma criação singular que estabiliza sua psicose.
A perspectiva do ensino de Lacan até os anos 1950 situa a psicose como estrutura diversa da neurose, de forma que na psicose trata-se de uma falha no campo do Outro. É o que Lacan (1958/1998) diz no texto: “De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose
[...] No ponto em que é chamado o Nome-do-Pai, pode, pois, responder no Outro um puro e simples furo, o qual, pela carência do efeito metafórico, provocará um furo correspondente no lugar da significação fálica (p. 564).
Essa falha no campo do Outro é o que Lacan, à época, situa como operador específico da psicose: a foraclusão do Nome-do-Pai, significante tido como o ordenador do registro simbólico. Ou seja, falta à psicose o que constitui a neurose: o sucesso da metáfora paterna e o advento da significação fálica, que ordena o campo da realidade para o sujeito.
O que se pensa em termos de uma “segunda clínica” de Lacan é justamente a compreensão de que essa falha estrutural ao campo do Outro não se restringe à psicose, mas é estrutural. Trata-se de algo inerente ao ser falante. Podemos situar o início dessa “virada” no ensino de Lacan já no fim dos anos 1950, em As formações do inconsciente, livro V do Seminário e o subsequente O desejo e sua interpretação, quando Lacan inicia a construção do grafo do desejo e posteriormente, já nos anos 1960, no texto dos Escritos, Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano. Nesse último, o grafo do desejo foi retomado, e Lacan passou a pensar o Outro não mais como garante de uma verdade última que responderia ao che vuoi do sujeito, mas como barrado, marcado pela falta, onde o sujeito depreende sua própria falta.
Para todo sujeito há um confronto com um ponto do significante, um ponto da linguagem onde o significante não corresponde a uma significação, onde o significante é enigmático. Essa falta ou esse distúrbio no Outro é um distúrbio ao qual todos os seres falantes estão confrontados (Zenoni, 2000, p. 33).
Frente a uma falha estrutural no campo do Outro, que é justamente o que permite que o sujeito se constitua enquanto tal, a operação do Nome-do-Pai aparece como solução ao neurótico, como possibilidade de sutura desse furo. Ao psicótico cabe a tentativa de suturar o campo do Outro por outras vias, por outros Nomes-do-Pai, seja um delírio ou uma possibilidade de suplência pela via da criação, sempre singular. Vale ressaltarmos que, muito embora seja necessário pensar o que das formulações de Lacan a partir dos anos 1960 incide na clínica da psicose, não se deve situar a chamada segunda clínica em oposição ou como superação da primeira. O significante Nome-do-Pai deve, ainda, ser sustentado com sua função de operador do registro simbólico, mesmo que seja clara a relativização dessa operação, visto não ser mais situada como a única possibilidade. As formulações sobre a incompletude do Outro, esse giro decisivo no ensino de Lacan, nos convoca a pensar a clínica da psicose de outra forma, não só por desalojar tal posicionamento subjetivo do lugar de deficitário de um significante primordial, mas também por situar as possibilidades de saída do psicótico como direção do tratamento nessa clínica.
A divisão instaurada no Outro faz surgir a questão: “se é incompleto, o que lhe falta?” - o que também pode ser lido como: se alguma coisa lhe falta, certamente há de querer algo. A formulação da pluralização do Nome-do-Pai tenta sustentar que existem diversas formas de se interpretar essa exigência do Outro, pois não se trata mais de um significante primordial (e universal) a ser encontrado no Outro. A função paterna passa do universal do Outro ao particular do sujeito. A foraclusão do Nome-do-Pai passa a ser compreendida não mais como o rechaço ou o déficit de um significante primordial, mas como a ruptura de um nó entre a cadeia significante e aquilo que do seu exterior sustenta sua ordenação. Pierre Skriabine (1994) afirma não haver Nome-do-Pai, a menos que cada sujeito invente e ponha em jogo aquilo que aí caberia para ele. Para Skriabine (1994), “não se tem outra escolha senão a de prescindir dele (do Nome-do-Pai como garantia que não existe) com a condição de servir-se dele (de colocar em jogo sua função)” (p. 243). Ao pensarmos a psicose, a perplexidade que se abre ao sujeito frente à incompletude do Outro o obriga a realizar um trabalho de criação, de invenção, de forma a suturar tal hiância. Nesse sentido, o delírio, as suplências ou qualquer outra criação singular a cada sujeito tem por função remediar a carência fálica, suturar o furo do Outro e localizar o gozo fora de seu corpo.
Após esse percurso, que obviamente não esgota, para nós, as questões colocadas sobre a clínica psicanalítica da psicose, vemos porque revisitar o ensino de Lacan acerca da psicose torna-se imprescindível quando nos propomos a pensar não só a inserção dos analistas nas instituições de saúde mental, mas a clínica da saúde mental em geral. Pois, por sua heterogeneidade, o campo da saúde mental implica sempre o risco de que nos esqueçamos qual a questão implicada na clínica que ali se pratica. O rigor com o qual Lacan conduz seu ensino acerca da clínica da psicose nos faz recordar de sua convocação principal: não recuar. E não recuar frente à psicose pressupõe que o acompanhemos nesse rigor, que possamos reinventar continuamente essa clínica quando a tendência institucional é muitas vezes de levar a uma conduta repetitiva que não deixa espaço para que o sujeito se questione sobre seu mal-estar, não abre espaço para possíveis criações por parte dos sujeitos.
Nesse sentido, cabe ao analista sustentar o discurso analítico que coloca o saber do lado do sujeito, propondo que, se não há verdade que possa ser toda dita, a clínica não pode estar dada a priori, devendo ser reinventada a todo o momento, respeitando a particularidade de cada sujeito, o que Stevens (2007) pontuou como propor uma instituição que permita criar, no interior dela mesma, tantas instituições para quantos forem os sujeitos que nela se tratam.
É o que temos tentado sustentar nesse caso específico. Por se tratar de um caso que movimenta e comove a cidade, várias instâncias estão envolvidas, entre elas a assistência social, o jurídico, além dos cidadãos. Por ser uma cidade pequena, onde a maioria conhece e se indigna com a história familiar de José, precisamos por muitas vezes sustentar nossa posição clínica diante do caso. O que quase nunca é fácil, dadas as circunstâncias. Mas o nosso posicionamento acarretou uma mudança na forma como José se dirige a nós atualmente, nos parece que antes não estávamos bem localizados na transferência, o que, como discutido neste artigo, pode ser catastrófico na psicose. Além disso, também temos conseguido um vínculo de confiança com as outras instâncias envolvidas no caso, o que nos auxilia na condução do mesmo.
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BUILDING A CASE FROM THE JOINT BETWEEN ETHNOGRAPHY AND PSYCHOANALYSIS
Abstract
This article aims to expose a clinical case treated at the Center for Psychosocial Care (CAPS) from Santos Dumont / MG. To do so, and considering the particularity of the case will be developed an ethnographic study of the family where you insert the subject in question. Later, raise possibilities of articulation between the research methods of ethnography and psychoanalysis. Finally, we analyze in the light of Lacanian theory of psychosis, how this guy has embarked on a creative work that stabilized his psychosis.
Keywords: Ethnography; psychoanalysis; psychosis clinic; mental health.
CONSTUIRE UM CAS DE LA COMMUNE ENTRE L’ETRNOGRAPHIE ET DE LA PSYCHANALYSE
Résumé
L’article vise à exposer un cas clinique traité au Centre de soins psychosociaux (CAPS) de Santos Dumont / MG. Pour ce faire, et compte tenu de la particularité de l’affaire seront mis au point une étude ethnographique de la famille où vous insérez l’objet en question. Plus tard, élever les possibilités d’articulation entre les méthodes de recherche de l’ethnographie et la psychanalyse. Enfin, nous analysons à la lumière de la théorie lacanienne de la psychose, comment ce gars s’est engagé dans un travail de création qui stabilisé sa psychose.
Mots clés: Ethnographie; la psychanalyse; clinique la psychose; la santé mentale.
LA CONSTRUCCIÓN DE UM CASO A PARTIR DE LA ARTICULACIÓN ENTRE LA ETNOGRAFÍA Y EL PSICOANÁLISIS
Resumen
El artículo pretende exponer un caso clínico atendido en el Centro de Atención Psicosocial (CAPS) de Santos Dumont / MG. Para esto, y teniendo en cuenta la particularidad del caso, se desarrollará un estudio etnográfico de la familia donde se inserta el sujeto en cuestión. Posteriormente, apuntaremos posibilidades de articulación entre los métodos de investigación de la etnografía y el psicoanálisis. Finalmente, analizaremos a la luz de la teoría lacaniana de la psicosis, cómo este sujeto se ha embarcado en un trabajo de creación que estabilizó su psicosis.
Palabras clave: Etnografía; psicoanálisis; la clínica de la psicosis; salud mental.
Recebido/Received: 5.7.2012/7.5.2012
Aceito/Accepted: 17.9.2012/9.17.2012
Taísa Serpa*
Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Psicóloga do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de Santos Dumont, Minas Gerais. Coordenadora de Serviços Residenciais Terapêuticos em Juiz de Fora, Minas Gerais. (Juiz de Fora, Minas Gerais, Br.) [email protected]
Ana Carolina Medeiros**
Pós-graduanda em Saúde Mental - Atenção Psicossocial, Gestão e Pesquisa do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas de Saúde Mental (NUPPSAM) do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ). Orientação: Professor Dr. Jairo Gama. Enfermeira do CAPS de Santos Dumont. (Juiz de Fora, Minas Gerais, Br.) [email protected]
1 Usaremos esse nome fictício a fim de preservar a identidade do paciente.